Processo n.o 620/2007
(Recurso cível)
Data: 8/Maio/2008
ASSUNTOS:
- Causa prejudicial; entre ac..o de anula..o e ac..o de preferência
- Suspens.o do processo
SUMáRIO:
1. Uma causa é prejudicial em rela..o a outra quando a decis.o
da primeira pode destruir o fundamento ou a raz.o de ser da segunda,
alargando-se aqui o conceito de causa à quest.o prévia ou pressuposto de
que cumpra conhecer.
2. Quando a decis.o de uma causa depender do julgamento de
outra, isto é, quando na causa prejudicial se esteja a apreciar uma quest.o
cuja resolu..o possa modificar uma situa..o jurídica que tem de ser
considerada para a decis.o de outro pleito, ou quando numa ac..o se ataca
um acto ou um facto jurídico que é pressuposto necessário de outra ac..o,
estaremos perante uma causa prejudicial.
3. A ac..o em que se pede a anula..o dum contrato de compra
e venda é que é prejudicial em rela..o àquela em que se pretende exercer
o direito de preferência nessa compra, e n.o esta em rela..o à primeira
O Relator,
Jo.o A. G. Gil de Oliveira
Processo n.o 620/2007
(Recurso cível)
Data: 8/Maio/2008
Recorrente: A
Objecto do Recurso: Despacho que ordenou a suspens.o da instancia
ACORDAM OS JUíZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA
INST.NCIA DA R.A.E.M.:
I – RELATóRIO
A, autora nos presentes autos, n.o se conformando com o
despacho que decidiu a suspens.o da instancia por causa prejudicial
requerida pela ré B, dele vem interpor recurso alegando em sede de
conclus.es:
1. Nos termos do disposto n.o 1 do Artigo 607o do Código de Processo Civil, "1.
Têm efeito suspensivo os recurso que subam imediatamente e nos próprios Autos";
2. Atento o teor do despacho de admiss.o do recurso no que ao tempo e ao regime
de subida diz respeito - subida imediata e nos próprios autos - o recurso n.o poderia deixar
de ter eficácia suspensiva relativamente à decis.o recorrida;
3. As situa..es em que a lei consente uma pondera..o ad hoc, por parte do
Tribunal, quanto ao efeito do recurso sobre a decis.o recorrida têm em vista acautelar o
efeito útil da decis.o que, em via de recurso e a final, possa vir a ser proferida revogando ou
anulando a decis.o recorrida;
4. Tais situa..es concretizam-se sempre, porém, na faculdade de atribui..o de
eficácia suspensiva em situa..es em que o regime normalmente aplicável seria de mera
devolu..o;
5. De todo o modo, in casu, a suspens.o dos efeitos da decis.o recorrida, por for.a
da lei, n.o preclude a eficácia da decis.o confirmatória que o Tribunal ad quem pudesse, ou
possa, vir a proferir.
6. O Despacho pelo qual o Tribunal a quo determinou a suspens.o dos presentes
n.o contempla a verdadeira prejudicialidade existente entre os dois processos;
7. Se, por um lado, nos presentes autos se discute a validade e/ou eficácia do
negócio de compra e venda de ac..es celebrado pela ora Autora e pela Primeira A, nos autos
que correm termos sob numera..o CV3-05-0067-CAO, a quest.o fundamental é o eventual
reconhecimento, ou n.o, de um direito de preferência sobre a transmiss.o das referidas
ac..es.
8. A validade e a eficácia intrínsecas do negócio que constuti constitui objecto da
preferência constitui um requisito intrínseco do eficaz exercício da preferência que tenha
aquele mesmo negócio por objecto;
9. Se o tribunal concluir pela verifica..o dos pressupostos de que depende a
declara..o de anula..o do negócio, nos termos no artigo 282o do Código Civil, a eficácia
retroactiva de tal declara..o determina, necessariamente, a preclus.o do pretendido exercício
eficaz da preferência.
10. Por outro lado, a emiss.o de decis.o quanto à legitimidade, validade, e
eficácia do exercício da preferência n.o poderá produzir os respectivos efeitos sem que seja
emitida uma decis.o definitiva sobre a quest.o de saber se o negócio sobre o qual a mesma foi
supostamente exercida existe, é válido e eficaz,
11. N.o podendo, em qualquer circunstancia, a posi..o da aqui Autora, enquanto
interessada na anula..o do negócio, ser preterida pelo exercício de uma preferência sobre
negócio que venha a ser julgado inválido.
12. Porque assim é, a ora Autora veio requerer, coerentemente e em tempo
oportuno, a suspens.o dos Autos de numera..o CV3-05-0067-CAO, como meio de garantir a
eficácia da decis.o que, reconhecendo mérito aos pedidos deduzidos nos presentes, venha a
declarar o negócio de compra e venda inválido e a concluir pela respectiva anula..o,
Justificando-se assim, também por esta via, o prosseguimento normal das instancia
nos presentes e o deferimento dos respectivos e ulteriores termos.
Nestes termos, e nos mais em Direito consentidos que Vós, Excelentíssimos Juízes,
muito doutamente suprireis, se requer seja o presente recurso julgado procedente, por
provado e por legalmente justificado e, consequentemente,:
a) Seja julgada procedente a impugna..o do despacho de admiss.o do recurso na
parte em que ao mesmo vem fixar efeito meramente devolutivo; e, em qualquer caso,
b) Seja o despacho recorrido revogado e substituído por um outro que ordene o
prosseguimento dos presentes autos com o deferimento dos demais termos da instancia.
B, ora recorrida, contra-alega, em síntese:
A ora Recorrente intentou a presente ac..o de anula..o apenas para o caso em que
no Proc. n° CV3-05-0067-CAO, se prove que o negócio em causa consubstancia uma compra
e venda entre dois accionistas da STDM e n.o o exercício de um direito de preferência.
Só no pressuposto de a ac..o de preferência improceder por o Tribunal entender
que a compra e venda foi um negócio privado entre dois accionistas da STDM é que a ac..o
de anula..o tem causa de pedir.
E só no mesmo pressuposto é que a Recorrente tem interesse em agir na presente
ac..o.
Relativamente aos efeitos a atribuir ao presente recurso também partilhamos do
entendimento da Meritíssima Juiz a quo, só assim se salvaguardando o efeito útil da decis.o
recorrida.
Nestes termos e nos mais de direito aplicável, sempre com o mui douto suprimento
de V. Exas., deve ser negado provimento ao presente recurso mantendo-se a douta decis.o
recorrida.
Foram colhidos os vistos legais.
II – Com pertinência, resulta dos autos a factualidade seguinte:
Veio a primeira ré B suscitar a quest.o da prejudicialidade da
causa que se discute no processo CV3-05-0067-CAO relativamente aquela
que se discute nos presentes autos.
Nos presentes autos a autora vem, essencialmente, pedir que se
anule o negócio pelo qual ela vendeu à primeira ré dez ac..es da quarta ré.
O fundamento da anula..o é o dolo da primeira ré ou, subsidiariamente, o
erro subjacente à vontade da autora em vender. A autora alega que foi
induzida em erro pela primeira ré de tal modo que estava convencida que
vendendo-lhe as dez ac..es estava a cumprir uma obriga..o jurídica de
dar preferência na venda dessas ac..es.
Na ac..o que corre termos no terceiro juízo e acima identificada,
a aqui ré "C" é nela autora e pede ao tribunal, fundamentalmente, que
declare ineficaz o negócio da venda das dez ac..es em causa nesta ac..o e
que seja reconhecido à ali autora "C" o seu direito de preferência na
aquisi..o dessas ac..es, o qual é melhor que o direito de preferência da,
nessa ac..o, ré B.
é do seguinte teor o pedido formulado naquela ac..o intentada
em 11 de Novembro de 2005:
"a) ser declarada ineficaz a transmiss.o, pela ora Primeira Ré (aqui,
Autora) a favor da ora Segunda Ré (aqui, Primeira Ré), das ac..es representativas do
capital social da ora Autora (aqui, Quarta Ré - STDM), com os números 17.527 a
17.536 agregadas sob o título no. 118;
b) seja reconhecido o direito de preferência à Autora (aqui, Segunda Ré)
na aquisi..o das referidas ac..es;
c) seja, ainda, ordenada (i) a n.o celebra..o do negócio de transmiss.o da
ac..o número 17.527 da ora Segunda Ré (aqui, Primeira Ré) à ora Quarta Ré (aqui,
Terceira Ré) ou (ii) no caso em que o mesmo já haja sido celebrado, seja o mesmo
declarado ineficaz,
e, em consequência,
d) Ser proferida senten.a que, declarando a ora Autora (aqui, Segunda Ré)
dona das ac..es melhor identificadas sub a), condene a ora Primeira Ré (aqui,
Autora), ou a Primeira e a Quarta Rés (aqui, Autora e Terceira Ré, respectivamente),
à entrega daquelas mesmas ac..es à ora Autora (aqui, Segunda Ré) contra o
pagamento do valor de MOP$ 10.000.000,00 (Dez Milh.es de Patacas), com o
cumprimento das demais formalidades que por lei se mostrem necessárias ao pleno
exercício da propriedade e da posse sobre as ac..es tituladas pelo supra mencionado
título no. 118, pela ora Autora (aqui, Segunda Ré)
para efeitos do que, a ora Autora (aqui, Segunda Ré) efectuará o depósito, à
ordem deste Tribunal e deste processo, do montante de MOP$10.000.000,00 (Dez
Milh.es de Patacas), no prazo e demais condi..es que vierem a ser fixados por V.
Excelência, em despacho preliminar.
e) Mais devendo a ora Primeira Ré (aqui, Autora) ser condenada no
pagamento à ora Autora (aqui, Segunda Ré), para cumprimento da obriga..o de
restitui..o por enriquecimento sem causa, da quantia de MOP 6.986.390 (seis milh.es
novecentos e oitenta e seis mil, trezentas e noventa patacas), correspondente à
diferen.a entre o valor real da participa..o e o valor recebido pela ora Primeira Ré
(aqui, Autora) por conta da respectiva transmiss.o à ora Segunda Ré (aqui, Primeira
Ré).(...)”
A ré B contesta nessa ac..o alegando que a compra das dez
ac..es n.o foi efectuada no exercício de um direito de preferência (cfr. art.
82o do Contesta..o), que nada ocultou da A. e que esta celebrou o contrato
livremente.
Por seu turno, o pedido formulado nesta ac..o é o seguinte:
"a) seja o pedido de anula..o, com fundamento em dolo da Primeira Ré,
do negócio de compra e venda das ac..es representativas do capital social da ora
quarta Ré, com os números 17.527 a 17.536, celebrado entre a ora Autora e a ora
Segunda Ré, julgado procedente, por provado e por legalmente justificado, devendo a
ora Primeira Ré ser condenada a proceder à entrega das mesmas ac..es à ora Autora
contra a devolu..o integral, pela mesma, do valor do pre.o pela mesma recebido,
Ou no caso em que assim se n.o entenda;
b) seja o pedido de anula..o, com fundamento em erro-vício, do negócio
de compra e venda das ac..es representativas do capital social da ora Quarta Ré,
com os números 17.527 a 17.536, celebrado entre a ora Autora e a ora Segunda Ré,
julgado procedente, por provado e por legalmente justificado, devendo a ora Primeira
Ré ser condenada a proceder à entrega das mesmas ac..es à ora Autora contra a
devolu..o integral, pela mesma, do valor do pre.o pela mesma recebido (...).”
As raz.es aduzidas pelo Mmo Juiz para suspender a instancia
foram os seguintes:
“Em primeiro lugar importa saber se existe uma quest.o prejudicial a
dirimir na ac..o que corre termos no terceiro juízo, a qual influencie decisivamente o
desfecho da presente ac..o.
Existe uma quest.o fundamental que se discute em ambas as ac..es: a de
saber se a aqui autora B adquiriu dez ac..es da ré STDM no exercício legítimo (ou
seja, de acordo com a lei e os estatutos da STDM) de um direito de preferência. Na
presente ac..o esta quest.o, sendo a decisiva, n.o é a central. N.o é a central porque
o pedido n.o diz respeito ao reconhecimento de um direito de preferência. é, contudo,
decisiva porque apurando-se que a ré B adquiriu as ac..es no exercício de um direito
de preferência falece o pressuposto do erro ou do dolo alegado pela autora. Neste
caso a ac..o improcederá.
Ora, onde a quest.o se discute a título principal é na ac..o
CV3-05-0067-CAO que corre termos no 3° Juízo. A decis.o a proferir nesta ac..o do
3° Juízo é, pelo já exposto, um antecedente lógico da decis.o a tomar na presente
ac..o.
Assim, parece-nos importante aguardar pelo desfecho dessa ac..o a fim de
evitar decis.es contraditórias em ambas as ac..es.”
III – FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa por saber se há causa de
prejudicialidade entre a presente ac..o CV2-06-0030-CAO e a ac..o
CV3-05-0067-CAO ou vice-versa.
Enquanto a ora recorrida, 1a ré na ac..o entende que é de
suspender esta ac..o, porque a ac..o interposta em 2005 é prejudicial à
decis.o a proferir na presente, já a recorrente, A. na ac..o assim o n.o
entende, defendendo a proposi..o contrária, isto é, que será esta ac..o que
é prejudicial àquela, pelo que devia ser aquela a suspensa.
Desde já se anota o facto de correr seus termos o recurso
interposto na ac..o CV3-05-0067-CAO, pela recorrente B, do despacho
que suspendeu a instancia naquela ac..o até ao transito em julgado nesta
ac..o CV2-06-0030-CAO.
Ambos os recursos s.o julgados por este TSI na mesma sess.o,
valendo para ambos os processos a mesma ordem de argumenta..o,
importando, no fundo, saber qual a ac..o que deve ser suspensa se alguma
o dever ser.
2- Quid juris?
Vejamos o que está em causa em cada uma das ac..es.
Nos presentes autos a autora vem, essencialmente, pedir que se
anule o negócio pelo qual ela (A) vendeu à primeira ré (B) dez ac..es da
quarta ré (STDM). O fundamento da anula..o é o dolo da primeira ré ou,
subsidiariamente, o erro subjacente à vontade da autora em vender. A
autora alega que foi induzida em erro pela primeira ré de tal modo que
estava convencida que vendendo-lhe as dez ac..es estava a cumprir uma
obriga..o jurídica de dar preferência na venda dessas ac..es.
Na outra ac..o que corre termos no terceiro juízo e acima
identificada, a aqui 2a ré (C) é nela autora e pede ao tribunal,
fundamentalmente, que declare ineficaz o negócio da venda das dez
ac..es em causa nesta ac..o e que seja reconhecido à ali autora (C) o seu
direito de preferência na aquisi..o dessas ac..es, o qual é melhor que o
direito de preferência da, nessa ac..o, ré B.
A ré B e ainda a D Stand Limited contestam nessa ac..o
alegando que a compra das dez ac..es n.o foi efectuada no exercício de
um direito de preferência
Atente-se nos pedidos formulados numa e noutra ac..o – acima
transcritos - e nos seus elementos comuns e conexos.
3. Defende a recorrente, basicamente, que a presente ac..o é
que prejudica aquela, a intentada em primeiro lugar, porquanto, se aqui se
houver a ac..o por procedente, no sentido do provimento do pedido feito
pela aqui Autora – anula..o da compra e venda – terá como
consequência a preclus.o da possibilidade do exercício eficaz da
preferência, porquanto determinará a extin..o do negócio que a mesma
tem por objecto.
No caso de o Tribunal n.o atender ao pedido da aqui Autora, ou
seja, em que considere n.o existir dolo por parte da Primeira Ré e, t.o
pouco, que o negócio haja sido celebrado em erro deverá, ent.o, julgar
da verifica..o, ou n.o, dos demais pressupostos e requisitos de que
depende a legitimidade e a validade do exercício da preferência tendo por
objecto mediato as ac..es que constituem objecto imediato do negócio de
compra e venda.
Ou seja, por outras palavras, confrontando os dois processos,
verifica-se que o exercício do alegado direito de preferência da aqui
Segunda Ré - Autora dos Autos de numera..o CV3-05-0067-CAO - só se
manterá caso o pedido constante dos presentes autos improceda, ou seja,
o exercício da preferência está dependente da validade e eficácia do
negócio de compra e venda de ac..es.
Se, pelo contrário, o Tribunal vier a concluir que a referida
transmiss.o n.o é válida, conforme requerido pela ora Autora e
Recorrente nos presentes autos, e, como tal, que se verificam os
pressupostos da respectiva anula..o, a consequência será a extin..o do
direito de preferência da Segunda Ré, ali Autora.
Contrap.e a recorrida que a A. só pretende a anula..o da venda
de ac..es se se provar que n.o há preferência, facto que vai condicionar o
apuramento deste facto que assim se assume como prévio à decis.o sobre
a anula..o.
4. Parece assistir raz.o à recorrente, vista a ordem natural, lógica
e cronológica do conhecimento das diversas quest.es.
Antes porém de se entrar na desmontagem desta argumenta..o
proceda-se a um enquadramento ainda que perfunctório do que seja uma
quest.o prejudicial, bem se podendo aqui acompanhar a explana..o
ensaiada pela recorrente.
De acordo com o n.o 1 do artigo 223o do Código de Processo
Civil:
"O tribunal pode ordenar a suspens.o quando a decis.o da
causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando
ocorrer outro motivo justificado."
Entende-se por causa prejudicial - e refira-se que a lei n.o fala
em prejudicialidade, mas sim em dependência do julgamento de uma outra
- aquela que tenha por objecto pretens.o que constitui pressuposto da
formulada.1
Como já firmado neste Tribunal2, a prejudicialidade entre duas
ac..es verifica-se sempre que a decis.o da causa, neste caso da excep..o
invocada, depende da decis.o a proferir noutra causa.
Uma causa é prejudicial em rela..o a outra quando a decis.o da
primeira pode destruir o fundamento ou a raz.o de ser da segunda,
alargando-se aqui o conceito de causa à quest.o prévia ou pressuposto de
que cumpra conhecer.
1 - Lebre de Freitas, CPC Anot. I, 1999, 501
2 - Ac. TSI, de 23/1/2003, proc. 200/2003
Segundo o Prof. Alberto dos Reis – que neste passo acompanha
o Prof. Manuel de Andrade3, “verdadeira prejudicialidade e dependência
só existirá quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma
quest.o que é essencial para a decis.o da segunda e que n.o pode
resolver-se, nesta via, em via incidental, como teria de o ser desde que a
segunda causa n.o é reprodu..o, pura e simples, da primeira. Mas nada
impede que se alargue a no..o de prejudicialidade, de maneira a
abranger outros casos. Assim pode considerar-se como prejudicial, em
rela..o a outro, em que se discute a título incidental uma dada quest.o, o
processo em que a mesma quest.o é discutida a título principal”.
Esta no..o é a que tem sido acolhida pela doutrina e
jurisprudência4 relativamente à possibilidade de suspens.o da instancia,
sempre que estando pendentes duas ac..es, a decis.o de uma possa
afectar o julgamento de outra e “dando-se até grande liberdade ao juiz
no uso do poder que lhe é concedido, devendo ele orientar-se por critérios
de utilidade e conveniência processual.”5 6 Quando a decis.o de uma
causa depender do julgamento de outra, isto é, quando na causa prejudicial
se esteja a apreciar uma quest.o cuja resolu..o possa modificar uma
3 - cfr. Comentário ao Código de Processo Civil, 3o, 269
4 - Ac. STJ de 28/2/75, BMJ 244,239; STJ de 29/7/80, BMJ 299,280; RC de 5/1/82, CJ,1982, 1o,77: STJ de 18/2/92,
BMJ 314,267; STJ de 2/12/93, BMJ 432,285;STJ de de 9/6/87, BMJ 368, 491
5 - Lebre de Freitas, in CPC Anot., I, 1999, 501
6 - cfr. Prof. Alberto dos Reis, in Comentário ao CPC, vol. I, pag. 286 e vol. III, pág. 206 e Jacinto Rodrigues
Bastos, in Notas ao CPC, vol. II, pag.42.
situa..o jurídica que tem de ser considerada para a decis.o de outro pleito,
ou quando numa ac..o se ataca um acto ou um facto jurídico que é
pressuposto necessário de outra ac..o, estaremos perante uma causa
prejudicial.
5. No caso sub judice o cerne da quest.o, contrariamente ao
afirmado, n.o passará por saber quem tem o direito de preferência, mas
sim saber se houve dolo ou erro, baseado num alegado direito de
preferência.
Até porque a vontade da alienante bem pode ter sido viciada ou
n.o com base no pressuposto da existência de um direito de preferência,
independentemente dessa mesma existência. Esse aludido direito de
preferência n.o é quest.o primária nesta ac..o, mas sim quest.o
secundária. A quest.o primária é aqui o dolo ou o erro viciante da vontade;
a preferência é quest.o secundária na medida em que constituiu, na
alega..o da autora, o fundamento para a realiza..o do negócio.
Ora, determinar a quem pertence esse direito, sendo ele invocado
noutra ac..o, constatar que ele pertence a outrem, parece n.o abalar,
condicionar ou prejudicar aquilo que se pretende nesta ac..o. é que o
conhecimento do elemento sobre que incide o dolo ou o erro n.o está
dependente do desfecho na outra ac..o.
Basta pensar na eventualidade de o desfecho se traduzir ali
quanto ao invocado direito de preferência num non liquet em desfavor
da autora C para se verificar que aquela ac..o em nada condiciona esta.
Basta pensar que ali n.o se pretende a declara..o ou reconhecimento de
um direito de preferência; esse factor é condi..o pressuponente do
exercício do direito que a A. pretende exercer e se há-de concretizar em
haver para si as ac..es transmitidas a outrem. Se as ac..es n.o forem
transmitidas, por ter sido anulado o negócio, tal desfecho há-de precludir
essa pretens.o.
Constata-se até que, naquela primeira ac..o, um dos objectos do
pedido era exactamente o pedido de ineficácia de transmiss.o das aludidas
ac..es entre A e B. Donde, se aqui for anulado o negócio, perde sentido o
que se pede naquela ac..o.
E terá sido na sequência dessa ac..o que aquela vem interpor a
presente ac..o, dizendo ter sido enganada.
Quanto ao facto de a recorrida dizer que a determina..o da
existência de um direito de preferência é quest.o essencial e prévia à
decis.o a proferir nesta ac..o, tal afirma..o n.o resulta da alega..o da A.,
parecendo que ela faz aí uma interpreta..o distorcida da causa de pedir
apresentada.
Mas mesmo que assim fosse e n.o se afigura que essa quest.o se
afigure como determinante e prejudicial em rela..o à decis.o a proferir
aqui, ainda nessa situa..o sempre se poderá dizer que o Tribunal n.o
estaria impedido de apurar da existência e determina..o dos direitos de
preferência na aliena..o das ac..es.
Pretende a recorrente que o desfecho desta ac..o pode até
condicionar aqueloutra e n.o deixa de ter raz.o.
Assim, se aqui se concluir que a ac..o é procedente, sendo
anulada a venda, ent.o é porque se concluiu que a compradora alegou que
tinha um direito que na realidade n.o possuía, que n.o tinha o direito de
preferência e que sobre esse elemento incidiu dolo por parte da adquirente
ou erro da alienante e essa hipótese prejudica necessariamente o desfecho
naquela ac..o e vai afectar o direito que a C pretende fazer valer na ac..o
de 2005; ao n.o haver venda, aquela ac..o perde o seu objecto e,
consequentemente, deixa de haver preferência sobre uma venda que n.o se
efectuou.
Ao invés, se ac..o for improcedente, ainda aí, o direito da A.
naquela ac..o, a C também n.o é afectado, pois que se lograr provar o seu
direito de preferência n.o deixará de poder exercer o seu pretenso direito
de preferência sobre a aliena..o das frac..es.
Digamos que a ac..o em que se pede a anula..o dum contrato
de compra e venda é que é prejudicial em rela..o àquela em que se
pretende exercer o direito de preferência nessa compra, e n.o esta em
rela..o à primeira, como, aliás, já decidido em termos de Jurisprudência
comparada.7
O que aqui parece confundir é o facto de o elemento sobre que
incide o dolo ou o erro ser a convic..o da existência de um direito de
preferência. Mas basta pensar noutra qualquer raz.o de anulabilidade do
negócio, para perceber facilmente que a validade deste é um pressuposto
do exercício do direito de preferência, importando ainda distinguir entre o
direito de preferência em abstracto e o seu exercício em concreto.
As coisas podem ser vistas noutra perspectiva. Esta ac..o fica
suspensa à espera que se decida se a C tem o direito de preferência, mas
esta tem de ficar à espera que aqui se decida se a venda n.o foi anulada
para poder preferir. Ora a presente ac..o pode ser decidida
independentemente do reconhecimento do direito de preferência da C e
esta só pode exercer o seu direito se a venda n.o vier a ser anulada.
Face ao exposto julgar-se-á procedente o presente recurso.
IV – DECIS.O
Pelas apontadas raz.es, acordam em conceder provimento ao
recurso, revogando a decis.o recorrida que suspendeu os autos até que
julgada definitivamente a causa que foi considerada prejudicial em rela..o
7 - Ac. STJ, de 28/2/75, BMJ, 244, 239
à presente.
Custas pela recorrida.
Macau, 8 de Maio de 2008,
Jo.o A. G. Gil de Oliveira
Choi Mou Pan
Lai Kin Hong