Processo n.o 433/2006
(Recurso Penal)
Data: 6/Mar.o/2008
Recorrente: A
Objecto do Recurso: Senten.a condenatória da 1a Instancia
ACORDAM OS JUíZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA
INST.NCIA DA R.A.E.M.:
I – RELATóRIO
O recorrente A, identificado nos autos acima mencionados, por
estar inconformado com a decis.o proferida pelo Tribunal singular a quo,
que o condenou
- na multa de MOP$800, convertível em 6 dias de pris.o, pela prática
duma contraven..o p.e p. pelo art. 22.o n.o 1 do Código de Estrada.
- na multa de 110 dias, à taxa diária de MOP$70, perfazendo a multa
global de MOP$7.700,00, convertível em 73 dias de pris.o se n.o for paga nem
substituída pelo trabalho, pela prática dum crime de ofensa à integridade física
por negligência p. e p. pelo art. 142.o n.o 1 do CPM, convolado dum crime de ofensa
grave à integridade física por negligência p. e p. pelo n.o 3 do art. 142.o do CPM.
- Em cúmulo, na multa de MOP$8.500, convertível em 79 dias de
pris.o se n.o for paga nem substituída pelo trabalho);
- Suspens.o da validade de carta do condu..o pelo período de um
mês.
No pagamento do montante de MOP$6.000,00 ao ofendido B, a título
de indemniza..o por danos sofridos, a que acrescerá juros vincendos à taxa legal
a partir do transito em julgado da senten.a
interp.s recurso para este Tribunal de Segunda Instancia,
motivando-o da seguinte forma, em sede de conclus.es:
Além do mais, o recorrente entende que o acórd.o recorrido contém as quest.es
jurídicas apreciáveis indicadas no art. 400.o n.o 1 do CPPM, ou seja, vício apreciável.
Ao abrigo do art. 393.o n.o 2 alínea a ) do CPPM, o recuso é limitado a parte a
respeito da matéria criminal e a contraven..o, pois o recorrente considerou que ele, em vez de
ser condenado por viola..o do art. 142.o n.o 1 do Código Penal, deve ser condenado no
pagamento de indemniza..o pela responsabilidade pelo risco oriundo do acidente causado
por veículos.
Face aos seguintes factos: o arguido n.o observou o seu dever de conduzir com
cuidado e prudência, ao estar em condi..o de prever os transeuntes à sua frente, n.o reparou
nem regulou a velocidade, do qual resulta que a parte dianteira esquerda do veículo por ele
conduzido atropelou a transeunte, provocando assim o acidente do transito e causando danos
físicos ao ofendido. N.o obstante há uma passadeira de zebra menos que dez metros para o
local do acidente, o ofendido devia seguir a passadeira para atravessar a rua, e n.o respeitou
as regras de transito, e n.o deixando de ser culposo o seu acto; esse ponto serve apenas para
considera..o do grau da negligência do arguido, n.o pode inteiramente excluir a culpa
própria do seu acto. O arguido, apesar de ter negligência ao tempo da prática do acto, tem
que se responsabilizar pelo acidente, por ter cometido um crime de ofensa à integridade física
negligente. Esta decis.o perdeu de vista a causalidade adequada dai suscitada, ou seja, do
acto do recorrente n.o resulta necessária e directamente a ocorrência deste acidente do
transito, pelas seguintes raz.es:
Cumpre-nos afirmar que os actos descuidadosos do ofendido têm um efeito decisivo
para a ocorrência deste acidente, tal como é considerado pela decis.o recorrida que o
ofendido n.o observou as regras de transito, tendo culpa ao agir. Assim como confessou o
ofendido na audiência, que entrou na rua por sítio onde se encontrava estacionado o
ciclomotor, mas tinha acenado com a m.o ao avistar o veículo aproximando; foi atropelado
por erroneamente calcular a velocidade do carro e n.o ter esperado que o mesmo carro n.o
parasse. (vide fls. 4 da senten.a).
O ofendido, mesmo que erroneamente calculasse a velocidade do carro, continuou
a atravessar a rua, de forma a p.r-lhe em perigo. Assim sendo, cabe perguntar: se o tribunal
recorrido, ao imputar 40% da culpa do transito ao recorrente, conhecia que o recorrente n.o
tinha tempo suficiente ou espa.o previsível para travar o veículo.
A decis.o recorrida considerou que o recorrente n.o tinha cuidado nem regulou a
velocidade ao estar em condi..o de prever os transeuntes na sua frente. Tal juízo todavia
violou as regras de experiência;
Ora vem o recorrente expor os seus fundamentos conforme os dados do sistema de
travagem dos veículos:
Conforme os dados fornecidos por Car-plus n.o 143, pag.89, publicada em Julho de
2005, um veículo ligeiro de marca OPEL, ao movimentar na pista de bet.o, com temperatura
de 28 graus, humidade relativa de 85%, velocidade de vento de 5km/h e transportando uma
pessoa só, necessita da seguinte distancia para poder parar conforme as velocidades
variantes.
Ficamos a saber que um veículo à velocidade de 30/h necessita de 3,47metros para
se repor ao estado estático; assim como nas outras circunstancias, a situa..o é análoga em
consonancia com o referido esquema. é de salientar que como é assinalado no esquema supra
mencionado, um veículo conduzido à velocidade de 70km/h necessita de pelo menos de 2,03
segundos para poder ser travado.
Os dados de teste da travagem do veículo das outras duas marcas s.o próximos aos
manifestados no referido esquema (vide anexo 2, 3).
Ainda, merece confian.a os dados fornecidos pelo jornal ou revista de Hong Kong,
uma vez que o Tribunal de última Instancia, no recurso de processo fiscal n.o 10/2000, fez
men..o de que ao fixar o rendimento tributável da venda do veículo, pode-se consultar o
pre.o publicado na revista ou jornal de automóvel de Hong Kong.
Tendo dominado as matérias a respeito da teste de travagem, temos conhecimentos
suficientes para analisar o acidente do transito em causa. De acordo com o quadro de
descri..o a respeito do acidente constante de fls.7 dos autos, o veículo ligeiro conduzido pelo
recorrente, depois de ter atropelar o ofendido B, continuou a avan.ar para frente por mais um
metro, dai deduzimos que a velocidade do automóvel n.o podia estar superior a 10km/h,
porque o automóvel indicado no anexo 1 precisa uma mínima distancia de 3,47 metros para
parar e ser reposto ao estado estático;
Além disso, a conclus.o atrás referida está a suportar completamente o decurso de
ocorrer o acidente relatado pelo recorrente na audiência; isto é, o ofendido apareceu de
repente e atravessou a rua da direito para esquerdo do sentido de circula..o do mesmo
automóvel. Na confronta..o com o acontecimento súbito, o recorrente n.o conseguia travar o
veículo a tempo de modo a atropelar o ofendido, tendo este considerado que n.o teve culpa
nenhuma, e deve o acidente ser imputado ao descuidado do ofendido (vide fls. 4 da senten.a).
Além disso, a velocidade do automóvel está conforme o que referiu o recorrente, ou seja
20km/h até 30km/h. (vide fls. 26v dos autos).
O automóvel indicado no anexo 1. necessita de pelo menos de 3,47 metros para ser
reposto ao estado estático. Além disso, tendo em conta que o veículo depois de ter embatido no
ofendido, avan.ou para frente mais um metro até finalmente parar. Daí, o recorrente tira a
seguinte conclus.o: quando falta 2,5 metros para o veículo ligeiro conduzido por recorrente
chegar ao ponto de embate, o ofendido passou a atravessar a rua a partir de onde se
encontrava estacionado ciclomotor.
Baseado nas referidas matérias e conclus.es, o recorrente considerou que o
ofendido, apesar saber bem que do seu acto resultaria o acidente de transito, agiu como se
aceitasse a ocorrência daquele facto, por outras palavras, o ofendido p.s-se em perigo com
dolo indirecto ou dolo eventual. Em face ao acto do ofendido, o recorrente n.o conseguia faz
parar o automóvel por ele conduzido de modo a evitar o acidente, uma vez que as regras de
experiência objectivas n.o nos permite decidir que o veículo, correndo, parasse logo sem
qualquer espa.o deixado para travagem.
Portanto, os actos do recorrente n.o têm uma rela..o de causalidade necessária e
adequada para com a ocorrência deste acidente. Na falta do requisito da causalidade
adequada, o recorrente n.o deve ser condenado com crime de ofensa à integridade física por
negligência, porque:
A causalidade n.o releva para todos os tipos de crime, apenas para com o crime de
resultado. Dá-se o crime de resultado quando tem lugar necessariamente o resultado
previsível para os requisitos constitutivos. In casu, o crime de ofensa à integridade física
resultante da negligência é precisamente o crime de resultado.
Ao abrigo do art. 9.o n.o 1 do Código Penal de Macau, os actos criminosos
compreendem n.o só a ac..o adequada a produzir um certo resultado como a omiss.o
adequada a evitá-lo. Portanto o artigo 9.o n.o 1 do Código Penal estipula expressamente uma
solu..o da quest.o de imputabilidade objectiva do resultado do crime ao agente através da
doutrina da causalidade adequada.
à luz desta doutrina, nem todas as condi..es passíveis de causar o resultado
constituem causa de resultado, s.o apenas as adequadas a produzir o certo resultado que faz
constituir requisitos legais.
Portanto, no que diz respeito à decis.o visada pelo recurso, do acto do recorrente
geralmente n.o resulta o acidente de transito e é o acto do ofendido que provoca este ou outro
acidente de transito.
Portanto, o recorrente entende que a decis.o recorrida violou o art. 9.o n.o 1 do
CPM.
Falta dos factos para compor a negligência
O recorrente foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física
por negligência p. e p. pelo art. 142.o n.o 1 do Código Penal conjugado com art. 66.o n.o 1 do
Código de Estrada. O conceito de negligência consta do art.14.o do Código Penal.
O recorrente embateu no ofendido na situa..o de n.o ter reparado e n.o conseguir
reparar, uma vez que o ofendido saiu inesperadamente dos ciclomotores que se encontravam
estacionados à margem da rua, e verificava-se uma distancia demasiada curta para ele parar.
Se bem que o recorrente travasse o automóvel com toda a for.a, n.o conseguiria faz parar o
seu carro antes de este atropelar o ofendido. Portanto, o recorrente considerou que o acidente
de transito n.o foi causado pela sua negligência.
é de assinalar que o recorrente conduziu com velocidade de 30km/h. Trata-se de
uma velocidade normal e conforme as circunstancias do pavimento daquela altura, n.o é alta.
As condi..es objectivas e provas acima mencionadas demostram plenamente que o
recorrente n.o teve negligência neste acidente de transito. Todavia, esta decis.o continua a
faz o recorrente assumir 40% da responsabilidade, violou manifestamente o princípio de
convic..o livre previsto no art.114.o do CPPM por n.o seguir as regras de experiência.
O tribunal recorrido imputou 60% da responsabilidade ao ofendido, enquanto 40%
da responsabilidade recai sobre o recorrente. Ainda assim, o recorrente foi condenado com o
crime de ofensa à integridade física por negligência.
Embora os Juízes do Tribunal de Segunda Instancia n.o concordem em afastar a
negligência do recorrente, embora tenham considerado que o recorrente deve assumir 40% da
responsabilidade, condenam o recorrente com um crime de ofensa simples à integridade física
por negligência, transmitindo assim a culpa do ofendido para o recorrente e
subsequentemente responsabilizá-lo penalmente. Isto viola o princípio de culpa individual.
Nos termos expostos, o recurso deve ser julgado procedente, e
deve ser revogada a decis.o recorrida em matéria penal e de contraven..o.
O Digno Magistrado do MP oferece douta resposta, alegando,
em síntese:
O recorrente tentou justificar por si próprio o mesmo fundamento, recorrendo às
matérias da revista de automóvel, usando-as e impondo-as sobre a convic..o interna formada
pelo juiz do Tribunal a quo. Na realidade, embora o T.U.I de Macau no processo de recurso
fiscal sugira que possa consultar a revista ou jornal de automóvel de Hong Kong ao fixar o
rendimento tributável da venda de veículo, isto n.o implica que é necessário consultar as
revistas para solu..o de todas as quest.es a respeito de veículo. De facto, da leitura esmerada
da senten.a do tribunal a quo, n.o é difícil verificar que o tribunal tem por fundamento a
análise da declara..o do arguido, dos depoimentos dos ofendido e outros dois guardas
policiais, e da aprecia..o das provas documentais constantes de fls. 7, 9, 18, 24, 28, 33 e 34,
para finalmente confirmar os factos.
O recorrente entende que o ofendido colocou ele própria no meio da rua com dolo
indirecto ou eventual, de forma que o recorrente n.o conseguia parar o veículo ligeiro por ele
conduzido para evitar esse acidente de transito. Portanto, o recorrente entende que n.o existe
causalidade necessária e idónea entre o seu acto e a ocorrência do acidente.
Cabe perguntar quem terá de p.r-se dolorosamente em perigo, sen.o tiver certa
pretens.o (com propósito de extorquir), ou estiver inconsciente ou sofrer grave anomalia
psíquica. Todavia, todas as aludidas situa..es n.o foram comprovadas pela decis.o.
Em consonancia com os fundamentos para a comprova..o dos factos, tendo em
conta as declara..es e o esquema do acidente constante de fl.7 dos autos segundo o qual o
ofendido foi atropelado pela parte dianteira esquerda do automóvel, enquanto o automóvel
estava estacionado no lado mais esquerdo da rua após o acidente, depreendemos que o
ofendido apesar de sair do sítio dos ciclomotores que se encontravam estacionados à margem
da rua, n.o foi atropelado logo que entrou na rua, mas sim no momento de chegar no meio da
rua, por outras palavras, n.o é imprevisível o acto de atravessar a rua do ofendido, se o
arguido reparar a situa..o à frente, devia avistar que o ofendido estava disposto e come.ou a
atravessar a rua e reagir à conduta do ofendido, regulando a velocidade e travando o
automóvel.
Quer isto dizer que o recorrente, ao prever o transeunte na sua frente, n.o teve
cuidado nem regulou a velocidade do automóvel, fazendo com que o seu veículo embatesse no
ofendido, e esta ficasse ferido e prostrado no ch.o. Existe obviamente a causalidade
necessária e idónea entre o acto do recorrente e o resultado.
Ao abrigo do art. 142.o do Código Penal de Macau consagra requisitos para crime
de ofensa simples à integridade física por negligência: 1. negligência, 2. ofensa à integridade
física.
De acordo com os factos provados na senten.a a quo, o acto do recorrente
consubstancia inteiramente um crime de ofensa à integridade física, uma vez que o recorrente
n.o conduziu com cuidado, nem reparou o que deve reparar de forma que o veículo pudesse
parar no espa.o utilizável e visível e evitar embater nos obstáculos previsíveis na situa..o
normal, o que violou o art. 22.o n.o 1 do Código de Estrada de Macau.
O argumento do recorrente n.o e mais que um desafio contra a convic..o interna
do juízo que é protegida pelo princípio de convic..o livre consagrado no art. 114.o do CPPM.
Nos termos do art. 114.o do CPPM (aprecia..o livre da prova), salvo disposi..o
legal em contrário, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e livre convic..o da
entidade competente. A convic..o livre reside em fé internamente formada do juízo, salvo
situa..es extremas, n.o é desafiável.
O recorrente manifestamente discorda da adop..o dos certos depoimentos e
fundamentos pelo juiz, mas isto, cabe inteiramente à convic..o livre do juiz, n.o é susceptível
de desafio.
Em conformidade com os factos provados na decis.o do tribunal a quo, o
recorrente conduziu um veículo ligeiro n.o MC-XX-XX, e n.o regulou atempadamente a
velocidade, acabou por n.o conseguir travar a tempo, fazendo com que o veículo embateu no
ofendido, e este ficasse ferido e prostrado no ch.o. N.o foi o ofendido que conduzisse o carro
e embatesse no recorrente por n.o conseguir travar a tempo. Portanto, n.o podemos dizer que
o ofendido transferiu a responsabilidade para o recorrente. O facto de o ofendido n.o seguir
as linhas de zebra para atravessar a rua constitui apenas inobservancia das regras de transito,
enquanto o recorrente, por sua vez, ofendeu à integridade física do ofendido,
consubstanciando os seus actos um crime de ofensa à integridade física por negligência
previsto no art. 142.o n.o 1 do CPM. N.o deve ser confundidas as duas situa..es.
Nos termos expostos, solicito que seja julgado improcedente
o recurso e mantida a decis.o recorrida.
O Exmo Senhor Procurador Adjunto emite o douto parecer
seguinte:
A nossa Exma. Colega p.e a nu, muito claramente, a insubsistência da motiva..o do
recorrente.
E é ocioso, de facto, acrescentar o que quer que seja às suas criteriosas
explana..es.
Em sede de imputa..o objectiva do resultado à ac..o, nomeadamente, n.o pode
deixar de afirmar-se, no caso presente, a rela..o que a teoria da “adequa..o” ou da
“causalidade adequada” pressup.e e exige.
Isso mesmo se evidencia, cabalmente, na resposta do Mo Po.
Da matéria de facto fixada flui, por outro lado, que o arguido actuou com
negligência (cfr. art. 14° do C. Penal).
Resulta, nomeadamente, a viola..o de um dever objectivo de cuidado que sobre ele
impendia e que conduziu à produ..o do resultado típico.
E é evidente que essa produ..o era previsível, sendo certo que só a omiss.o desse
dever obstou à sua previs.o.
A capacidade do recorrente para prever tal evento, por outro lado, deve ter-se como
evidente, tendo em conta o homem médio "pertencente à categoria intelectual e social e ao
círculo de vida do agente" (cfr. Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, 354).
No passado dia 1 de Outubro, entretanto, entrou em vigor a Lei do Transito
Rodoviário (Lei n.o 3/2007).
Haverá, assim, face ao comando do art. 2°, n.o 4, do C. Penal, que confrontar o
regime vigente à data da prática dos factos com o resultante dessa Lei.
O crime em apre.o é punido nos termos das disposi..es dos artigos 93°, n.o 1 e 94°,
al. 1), do novo Diploma.
O que equivale a afirmar que, relativamente à inibi..o de condu..o, a moldura é
mais gravosa - passando de 1 mês a 2 anos para 2 meses a 3 anos.
No que tange à contraven..o, por seu turno, verifica-se que a multa é mais leve - de
acordo com o comando do antecedente art. 30°, n.o 3.
Tudo ponderado, considerando que a op..o em quest.o deve ser feita em bloco,
cremos que o regime anterior é o que se mostra mais favorável ao recorrente.
Deve, pelo exposto, o recurso ser julgado improcedente - ou até, mesmo,
manifestamente improcedente (com a sua consequente rejei..o, nos termos dos artigos 407°,
n° 3-c, 409°, n° 2-a e 410°, do C. P. Penal).
Foram colhidos os vistos legais.
II – FACTOS
Com pertinência, respiga-se da senten.a recorrida o seguinte:
“(...)
II) Matéria de facto:
1) Após a análise do inteiro processo, dá-se como provados os
seguintes factos:
Em 2 de Maio de 2003, pelas 16h40 e pouco, o arguido A conduziu um
veículo ligeiro n.o MC-XX-XX ao longo da Rua do Almirante Costa Cabral, em direc..o
da Rua de Sacadura Cabral à Rua de Afonso de Albuquerque (vide o esquema do fl. 7
dos autos).
Ao aproximar-se da Rua do Almirante Costa Cabral n.o116, o arguido como
n.o regulou oportunamente a velocidade, n.o conseguiu travar o veículo a tempo, de
forma que o seu veículo embateu na transeunte B (ofendido, id. a fl.11 dos autos) que
acabou de sair do lado direito da rua dentre os ciclomotores estacionados e estava
disposto a dirigir para esquerdo para atravessar a rua.
O supradito acidente directamente fez com que o ofendido ficasse prostrado
no ch.o e ferida, que foi depois levado pela ambulancia para o Centro Hospitalar do
Conde. S. Januário.
Aqui se d.o por integralmente reproduzido como parte integrante da
presente acusa..o o relatório do exame directo da ferida do ofendido, o relatório de
tratamento médico e a perícia do médico legal clínico, constante dos fls. 9, 24, 28, 33 e
34 dos autos.
O referido acidente de transito provocou ao ofendido a fractura do rádio
e a ulna, abras.o do pele nos joelhos que necessita de 90 dias para se recuperar, o que
consubstancia ofensa grave à integridade física do ofendido (vide fl. 34 da perícia do
médico legal clínico).
Ao ocorrer o referido acidente de transito, o tempo estava bom, o
pavimento normal e o trafego menos intenso.
O arguido n.o conduziu com cuidado, n.o observou as regras a serem
respeitadas, n.o regulou a velocidade às circunstancias concretas do pavimento, de
modo que n.o possa fazer parar o veículo no espa.o livre e visível à sua frente e evitar
qualquer obstáculo que lhe surja em condi..es normalmente previsíveis, violando
assim o disposto do art. 22.o n.o 1 do Código de Estrada de Macau.
O arguido apesar de saber que inobservancia das regras de transito
poderá causar acidente do transito e ferida dos pessoais, e embora n.o esperasse ou se
conformasse com a realiza..o do facto ou da consequência ao actuar, n.o procedeu
com o cuidado a que está obrigado e de que é capaz, do qual resulta a ocorrência deste
acidente que causou directamente ofensa grave à integridade física do ofendido.
O arguido sabia bem que a sua conduta era proibida e punida pela lei de
Macau.
O arguido n.o tem antecedentes criminais.
Entretanto, foram ainda comprovados:
Há uma passadeira de zebra menos de 10,8 metros distante do ofendido,
que serve para atravessar a rua.
E foi comprovada a seguinte situa..o socio-económica do arguido:
O arguido é assessor de direito, mediante salário mensal de MOP$7.500,00.
Tem pais a seu cargo.
Tem como habilita..o literária 3.o ano do curso do ensino superior.
*
2) Outros factos n.o provados:
O acidente de transito causou grave ofensa à integridade física do ofendido.
*
3) Fundamentos para convic..o do tribunal:
O tribunal, depois de analisar e considerar a declara..o do arguido, o
depoimento do ofendido e dos outros dois guardas policias, as provas documentais nos
autos apreciadas no tribunal, nomeadamente as constantes dos fls.7, 9, 18, 24, 28, 33,
34, confirmou os factos supracitados.
O arguido declarou que o ofendido saiu de repente do lado direito do
sentido de circula..o, para esquerdo e atravessou a rua. Dado aos seus actos
imprevistos, o arguido n.o conseguiu travar o veículo a tempo e acabou por a atropelar,
tendo este defendido que n.o tinha culpa nenhuma e que o acidente devia se imputar
ao ofendido pela falta de cuidado.
O ofendido admitiu que entrou na rua pelo lugar do ciclomotores que se
encontravam estacionados, mas levantou a m.o para acenar aos veículos aproximados.
Foi atropelado, no entanto, por calcular mal a velocidade do veículo e n.o esperar que
o veículo vindo n.o conseguisse parar.
Os dois guardas policiais de transito descreveram as circunstancias no
local ao ocorrer o acidente, e assinalaram que ambas as partes tinham culpa.
Atendendo às respectivas declara..es e ao esquema tra.ado sobre
acidente constante de fls.7 dos autos segundo o qual, o ofendido foi atropelada pela
parte dianteira esquerda do veículo e o veículo estacionado no lugar mais esquerdo da
rua, fica-se a saber que o ofendido apesar de sair dentre os ciclomotores estacionados
ao lado, foi atropelado quando chegou ao meio da rua, n.o é logo que este entrou na
rua. Por outras palavras, n.o é imprevisível o acto de o ofendido atravessar a rua, se o
arguido tivesse observar a situa..o do pavimento a frente, deveria reparar que o
ofendido estava disposto a atravessar a rua e reagir atempadamente aos actos do
ofendido, regular a velocidade e travar o veículo.
(...)”
III – FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa fundamentalmente pela
análise da quest.o que se traduz em saber se o recorrente agiu ou n.o com
culpa na forma de negligência pela produ..o do referido acidente, ou seja,
se a sua conduta foi censuravelmente causal pela produ..o causal daquele
resultado, traduzido nas ofensas corporais infligidas ao ofendido
transeunte.
Em termos simples, o que importa saber é se o arguido, ora
recorrente, devia ter adoptado ou era possível ter evitado, por ac..o
própria, que o atropelamento se produzisse.
2. Come.a o recorrente por p.r em crise a verifica..o dos
elementos objectivos típicos do crime, fazendo para tanto uma douta e
aprofundada incurs.o sobre documenta..o técnica, no sentido de tentar
demonstrar que a velocidade do condutor era bastante reduzida, a partir de
elementos tais como o rasto de travagem até ao ponto de imobiliza..o do
veículo.
O automóvel indicado no anexo 1. necessita de pelo menos de 3,47 metros para ser
reposto ao estado estático. Além disso, tendo em conta que o veículo depois de ter embatido no
ofendido, avan.ou para frente mais um metro até finalmente parar. Dai, o recorrente tira a
seguinte conclus.o:
Quando falta 2,5 metros para o veículo ligeiro conduzido por recorrente chegar ao
ponto de embate, o ofendido passou a atravessar a rua a partir de onde se encontrava
estacionado ciclomotor. Essas afirma..es deduzidas s.o inteiramente conformes ao
depoimento feito pelo ofendido na audiência, isto é, o ofendido erroneamente calculou a
velocidade do carro da contraparte.
Sabe-se, na verdade que as condi..es em que o arguido circulava
- basta dar um relance sobre o croquis de fls 7. - eram de algum
congestionamento, rua relativamente estreita, de sentido único, havendo
veículos estacionados no seu lado esquerdo e ciclomotores do lado direito,
atento o seu sentido de marcha.
As regras técnicas n.o deixam de depender de certos
pressupostos e o que importa é saber se esses pressupostos se verificaram.
N.o discutindo o rigor dessas regras e fórmulas, estamos a pensar no
momento a partir do qual se conta o tempo de reac..o e em que se
imprime a actua..o tendente à imobiliza..o do veículo, ou seja, por outras
palavras, importa determinar o momento a partir do qual o condutor avista
o possível alvo e o tempo em que reage para parar o veículo.
Naquelas circunstancias, o arguido devia conduzir devagar e n.o
vem posto em causa que o n.o fizesse, o que se admite, até sem
necessidade de grandes elabora..es.
A lei determina que o condutor deve imprimir a velocidade de
modo a fazer parar o veículo no seu espa.o livre e visível à sua frente – art.
22o, n.o 1 do CE Sabe-se que o pe.o irrompeu para a travessia por entre os
ciclomotores.
E que o terá feito de alguma forma repentina, saltando a correr
para a estrada e atravessando-se à frente do veículo do arguido.
Configura-se até que com três ou quatro passos, a correr, o pe.o terá
galgado a distancia desde que sai da zona dos ciclomotores até ao
momento do embate, o que ocorreu com a parte dianteira frente do lado
esquerdo da viatura do arguido.
Aliás, o próprio pe.o admite que galgou para a estrada e que
pretendeu atravessar à frente do carro, só que calculou mal a distancia.
Os elementos dos autos apontam para uma velocidade muito
reduzida por parte do arguido e se por um lado se deve ser bastante
exigente para com os condutores, também há que instilar confian.a nos
condutores cuidadosos e que moderam a velocidade em situa..es
particulares de maior perigo, n.o se podendo exigir uma conduta estradal
que n.o se enquadre nas regras da prudência aceite como comuns e
normais.
E mesmo que n.o se chegue a esta conclus.o sempre ficariam
muitas dúvidas sobre a possibilidade de reac..o à conduta intempestiva do
pe.o, o que n.o deixaria de ser causa de uma dúvida relevante a propósito
do nexo causal do acidente, o que n.o deixaria sempre de relevar em
termos de responsabilidade penal.
As regras estradais também se imp.em aos transeuntes,
sabendo-se até que essa educa..o come.a nas escolas, n.o se tratando de
meras regras de civismo, mas sim de normas que se imp.em à observancia
dos cidad.os e cuja viola..o n.o deixa de ser sancionada.
Estamos assim em crer que quando na senten.a se escreveu
O arguido n.o conduziu com cuidado, n.o observou as regras a serem
respeitadas, n.o regulou a velocidade às circunstancias concretas do pavimento, de
modo que n.o possa fazer parar o veículo no espa.o livre e visível à sua frente e evitar
qualquer obstáculo que lhe surja em condi..es normalmente previsíveis...
O arguido apesar de saber que inobservancia das regras de transito poderá
causar acidente do transito e ferida dos pessoais, e embora n.o esperasse ou se
conformasse com a realiza..o do facto ou da consequência ao actuar, n.o procedeu
com o cuidado a que está obrigado e de que é capaz, do qual resulta a ocorrência
deste acidente que causou directamente ofensa grave à integridade física do ofendido.
Tal factualidade n.o deixa de assumir uma natureza conclusiva,
por um lado, e, por outro, de preencher a descri..o típica do crime
negligente, o que n.o se compagina com a restante matéria que vem
apurada e que este Tribunal pode e deve analisar, o que permite formular
uma outra conclus.o fáctica e dar como n.o verificado tal
circunstancialismo.
N.o se tem assim por culposo o seu acto.
Donde o arguido n.o deixará de ser absolvido.
E perante o enquadramento que acima se fez, no sentido de
considerar que foi o pe.o que deu causa ao acidente com o referido
atravessamento intempestivo, n.o haverá lugar a qualquer indemniza..o
nem sequer pelo risco.
Tudo visto e ponderado, o recurso n.o deixará de proceder.
IV – DECIS.O
Pelas apontadas raz.es, acordam em conceder provimento ao
recurso, absolvendo-se o arguido do crime por que vinha acusado, assim
se revogando a decis.o recorrida, mesmo na parte da condena..o pelo
pagamento da indemniza..o.
Sem custas.
Macau, 6 de Mar.o de 2008,
Jo.o A. G. Gil de Oliveira
Lai Kin Hong
José M. Dias Azedo
(Vencido. Tendo presente a factualidade dada
como provada, que n.o se me mostra de alterar, confirmava a decis.o
recorrida, pois que considero preenchidos os elementos objectivos e
subjectivos do crime e contraven..o que ao recorrente eram imputados, e
visto também que atento o comando do art.o 2.o, n.o 4 do C.P.P.M., é o
regime vigente à data dos factos – e aplicado – o mais favorável).