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208/2008案件
时间:2008-06-26  当事人:   法官:趙約翰法官、賴健雄法官   文号:208/2008

Processo n.o 208/2008 Data do acórd.o: 2008-06-26

(Recurso civil)

Assuntos:

– art.o 854.o, n.o 1, do Código Civil de Macau


– contrato de remiss.o de dívida


– art.o 399.o, n.o 1, do Código Civil de Macau


– limita..o da liberdade contratual


– art.o 6.o do Decreto-Lei n.o 24/89/M, de 3 de Abril


– Regime Jurídico das Rela..es de Trabalho de Macau


– princípio do favor laboratoris


– art.o 60.o do Decreto-Lei n.o 40/95/M, de 14 de Agosto

 


S U M á R I O

1. O Código Civil de Macau, no n.° 1 do seu art.° 854.°, disp.e que
<<O credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor>>.

2. Entretanto, segundo o art.o 399.o, n.o 1, deste Código, a cria..o do
contrato n.o implica que o mesmo possa vir a produzir necessariamente os
efeitos pretendidos pelos respectivos outorgantes, visto que tudo depende da
existência, ou n.o, de outras disposi..es legais obrigatórias que restrinjam
ou limitam a liberdade contratual.


3. Estando o presente processo sob a al.ada do Direito do Trabalho, há
que aplicar o Regime Jurídico das Rela..es de Trabalho de Macau,
consagrado no Decreto-Lei n.° 24/89/M, de 3 de Abril.

4. O art.° 6.° deste Decreto-Lei determina que <<S.o, em princípio,
admitidos todos os acordos ou conven..es estabelecidos entre os empregadores e
trabalhadores ou entre os respectivos representantes associativos ainda que
disponham de modo diferente do estabelecido na presente lei, desde que da sua
aplica..o n.o resultem condi..es de trabalho menos favoráveis para os trabalhadores
do que as que resultariam da aplica..o da lei>>.

5. Sendo certo que as “condi..es de trabalho” de que se fala nesta
norma devem ser entendidas, conforme o conceito definido na alínea d) do
art.° 2.° do mesmo Decreto-Lei, como referentes a <<todo e qualquer direito,
dever ou circunstancia, relacionados com a conduta e actua..o dos empregadores e
dos trabalhadores, nas respectivas rela..es de trabalho, ou nos locais onde o trabalho
é prestado>>.

6. Assim, estando o montante concreto do “prémio de servi.o” ent.o
declarado pela Autora como recebido da Ré muito aquém da soma
indemnizatória reclamada na peti..o inicial, o Tribunal a quo,
independentemente da procedência ou n.o do pedido da Autora, n.o deveria
ter desconsiderado a norma expressa do art.° 6.° do dito Decreto-Lei, nem o
pensamento legislativo ao mesmo subjacente e ligado às preocupa..es de
proteger os interesses da parte trabalhadora (cfr. os canones de hermenêutica


jurídica plasmados no n.° 1 do art.° 8.° do Código Civil), n.o devendo, pois,
ter julgado válido o contrato de remiss.o de dívidas da Ré para com a Autora,
mesmo que esse contrato tivesse sido celebrado após a cessa..o da rela..o
de trabalho entre a Autora e a Ré.

7. Aliás, norma jurídica semelhante à do art.° 6.° do Decreto-Lei n.°
24/89/M, pode ser encontrada nas seguintes disposi..es do art.° 60.° do
Decreto-Lei n.° 40/95/M, de 14 de Agosto, definidor do regime aplicável à
repara..o dos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doen.as
profissionais, também em prol da protec..o dos interesses da parte
trabalhadora:

<<1. é nula a conven..o contrária aos direitos ou às garantias conferidas no
presente diploma ou com eles incompatível.

2. S.o igualmente nulos os actos e contratos que visem a renúncia aos direitos
estabelecidos no presente diploma.>>

8. Por outras palavras, como o contrato de remiss.o de dívida em
quest.o nos presentes autos violou o princípio do “favor laboratoris”
também consagrado obrigatoriamente no art.° 6.° do Decreto-Lei n.°
24/89/M, todos os créditos laborais legais da Autora sobre a Ré n.o podem
ficar extintos por efeito desse contrato.

O relator,

 Chan Kuong Seng


Processo n.o 208/2008

(Recurso civil)

Autora: A

Ré: Sociedade de Turismo e Divers.es de Macau, S.A.R.L.

ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INST.NCIA DA
REGI.O ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU

1. No dia 20 de Outubro de 2006, A apresentou peti..o ao Tribunal
Judicial de Base, pedindo, em ac..o declarativa ordinária, a condena..o da
sua ex-empregadora Sociedade de Turismo e Divers.es de Macau, S.A.R.L.
(STDM), no pagamento da quantia total de MOP$1.523.640,76, como
indemniza..o pecuniária de diversos direitos por ela tidos como emergentes
da correspondente rela..o laboral (cfr. o teor da peti..o a fls. 2 a 92 dos
presentes autos correspondentes).

Contestou a Ré, e para se opor ao pedido da Autora, chegou a invocar
diversos motivos, de entre os quais se salientando o argumento de que todas
as obriga..es ora imputadas pela Autora, a existirem, já teriam sido extintas
por efeito de uma declara..o subscrita pela Autora nesse sentido em 23 de
Julho de 2003 e já por ela aceite logo no próprio dia (cfr. o teor da


contesta..o de fls. 295 a 392 dos autos), excep..o esta que veio a ser julgada
como procedente na senten.a final da Primeira Instancia, com consequente
absolvi..o da Ré do pedido (cfr. a senten.a de fls. 873 a 878v dos autos).

Notificada dessa decis.o final, interp.s a Autora recurso da mesma,
através da respectiva motiva..o apresentada a fls. 891 a 963.

Ao recurso respondeu a Ré no sentido de improcedência do mesmo,
mediante a contra alega..o de fls. 971 a 1031.

Após subidos os autos para este Tribunal de Segunda Instancia (TSI),
veio entrementes a Autora declarar, por termo lavrado a fls. 1043 a 1043v, a
desistência parcial do pedido, desistência essa que foi homologada como
válida por despacho do relator de fls. 1045 a 1045v.

Como antes da desistência parcial do pedido já foi feito o exame
preliminar e também ficaram corridos os vistos legais sobre o recurso final
da Autora, cumpre agora decidir do mesmo.

2. Com pertinência à solu..o do recurso, é de coligir também dos
autos os seguintes elementos:

Em 23 de Julho de 2003, a Autora assinou uma declara..o
dactilografada em chinês (com respectiva tradu..o portuguesa também
dactilografada no mesmo texto original), e aceite por escrito nesse dia (e no
texto dessa declara..o) pela Ré, com seguinte teor traduzido para português:

<<Declara..o


 Eu,(.....................................), titular do BIR no (...........................) recebi,
voluntariamente, a título de prémio de servi.o, a quantia de MOP$(..........................)
da STDM, referente ao pagamento de compensa..o extraordinária de eventuais
direitos relativos a descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios, eventual licen.a
de maternidade e rescis.o por acordo do contrato de trabalho, decorrentes do vínculo
laboral com a STDM.

Mais declaro e entendo que, recebido o valor referido, nenhum outro direito
decorrente da rela..o de trabalho com a STDM subsiste e, por consequência,
nenhuma quantia é por mim exigível, por qualquer forma, à STDM, na medida em
que nenhuma das partes deve à outra qualquer compensa..o relativa ao vínculo
laboral.

[...]>> (cfr. o teor literal da mesma declara..o, a que alude a fl. 394 dos
autos), sendo certo que de acordo com o teor original em chinês dessa
declara..o, o “prémio de servi.o” é de MOP$29.748,46.

3. Juridicamente falando, a quest.o nuclear posta no recurso da Autora
prende-se, ao fim e ao cabo, com a indaga..o do sentido e alcance da
declara..o escrita ent.o por ela assinada e logo aceite pela Ré, a despeito da
quantidade de quest.es e respectivos argumentos invocados na alega..o do
recurso.

A este propósito, e tal como já se analisou mormente no acórd.o de 14
de Junho de 2007 deste Tribunal de Segunda Instancia, lavrado em chinês no
Processo n.° 258/2007 (em que se ocupou da mesmíssima quest.o jurídica


ante uma declara..o escrita com conteúdo materialmente idêntico ao da
declara..o ora em causa):

O Código Civil de Macau, no n.° 1 do seu art.° 854.°, disp.e que <<O
credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor>>.

Ora, em princípio, a dita declara..o ent.o emitida pela Autora, uma vez
aceite pela Ré, já fez nascer um contrato de remiss.o de dívida previsto neste
preceito do Código Civil.

Entretanto, a cria..o do contrato n.o implica que o mesmo possa vir a
produzir necessariamente os efeitos pretendidos pelos respectivos
outorgantes, visto que tudo depende da existência, ou n.o, de outras
disposi..es legais obrigatórias que restrinjam ou limitam a liberdade
contratual (vide o art.° 399.°, n.° 1, do Código Civil).

Estando o presente processo sob a al.ada do Direito do Trabalho, há que
aplicar ao caso o Regime Jurídico das Rela..es de Trabalho de Macau,
consagrado no Decreto-Lei n.° 24/89/M, de 3 de Abril, e vigente
inclusivamente à data da assinatura da acima referida declara..o escrita da
Autora.

Segundo o art.° 6.° deste Decreto-Lei: <<S.o, em princípio, admitidos todos
os acordos ou conven..es estabelecidos entre os empregadores e trabalhadores ou
entre os respectivos representantes associativos ainda que disponham de modo
diferente do estabelecido na presente lei, desde que da sua aplica..o n.o resultem


condi..es de trabalho menos favoráveis para os trabalhadores do que as que
resultariam da aplica..o da lei>> (com sublinhado ora colocado).

Sendo certo que as “condi..es de trabalho” de que se fala nesta norma
devem ser entendidas, de acordo com o conceito definido na alínea d) do
art.° 2.° do mesmo Decreto-Lei, como referentes a <<todo e qualquer direito,
dever ou circunstancia, relacionados com a conduta e actua..o dos empregadores e
dos trabalhadores, nas respectivas rela..es de trabalho, ou nos locais onde o trabalho
é prestado>> (com sublinhado agora posto).

Assim, estando o montante concreto do “prémio de servi.o” ent.o
declarado pela Autora como recebido da Ré muito aquém da soma
indemnizatória reclamada na peti..o inicial, e independentemente da
procedência ou n.o do pedido da Autora, n.o se deveria ter desconsiderado a
norma expressa do art.° 6.° do dito Decreto-Lei, nem o pensamento
legislativo ao mesmo subjacente e ligado às preocupa..es de proteger os
interesses da parte trabalhadora (cfr. os canones de hermenêutica jurídica
plasmados no n.° 1 do art.° 8.° do Código Civil), n.o se devendo, pois, ter
julgado válida a atrás referida remiss.o de dívidas da Ré para com a Autora,
mesmo que essa remiss.o tivesse sido declarada após a cessa..o da rela..o
de trabalho entre a Autora e a Ré.

Aliás, norma jurídica semelhante à do art.° 6.° do Decreto-Lei n.°
24/89/M, pode ser encontrada nas seguintes disposi..es do art.° 60.° do
Decreto-Lei n.° 40/95/M, de 14 de Agosto, definidor do regime aplicável à
repara..o dos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doen.as


profissionais, também em prol da protec..o dos interesses da parte
trabalhadora:

<<1. é nula a conven..o contrária aos direitos ou às garantias conferidas no
presente diploma ou com eles incompatível.

2. S.o igualmente nulos os actos e contratos que visem a renúncia aos direitos
estabelecidos no presente diploma.>>

Por outras palavras, como a declara..o de remiss.o de dívida em
quest.o nos presentes autos violou o princípio do “favor laboratoris”
também consagrado obrigatoriamente no art.° 6.° do Decreto-Lei n.°
24/89/M, todos os créditos laborais legais da Autora sobre a Ré n.o podem
ficar extintos por efeito dessa declara..o (precisamente porque da aplica..o
dessa remiss.o, resultar.o condi..es de trabalho menos favoráveis para a
parte trabalhadora ora autora, pois ficar.o muito reduzidos e negativamente
afectados os seus direitos, legalmente previstos na lei laboral, a
compensa..o pecuniária do trabalho ent.o prestado à Ré na respectiva
rela..o contratual nomeadamente nos dias de descanso semanal, anual e de
feriados obrigatórios), com o que há que cair por terra a excep..o
peremptória deduzida pela Ré com base nesse contrato.

Na verdade, este princípio do favor laboratoris, como um dos derivados
do princípio da protec..o do trabalhador informador do Direito do Trabalho,
para além de orientar o legislador na feitura das normas juslaborais (sendo
exemplo paradigmático disto o próprio disposto no art.o 5.o, n.o 1, e no art.o
6.o do Decreto-Lei n.o 24/89/M, de 3 de Abril), deve ser tido pelo menos
também como farol de interpreta..o da lei laboral, sob o qual o


intérprete-aplicador do direito deve escolher, na dúvida, o sentido ou a
solu..o que mais favorável se mostre aos trabalhadores no caso considerado,
em virtude do objectivo de protec..o do trabalhador que o Direito do
Trabalho visa prosseguir. (Neste sentido, e para maior desenvolvimento no
assunto, cfr. a Disserta..o de Doutoramento de MARIA DO ROSáRIO
PALMA RAMALHO: A Autonomia Dogmática do Direito do Trabalho,
in Colec..o Teses, Almedina, Setembro de 2000, págs. 947 a 948 e 974 a
977, em especial, aliás já materialmente citada no acórd.o de 25 de Julho de
2002, do Processo n.° 47/2002, deste Tribunal de Segunda Instancia).

Assim sendo, n.o se pode concordar com toda a opini.o diversa no
assunto, mormente a constante no recente douto Acórd.o do Venerando
Tribunal de última Instancia, de 11 de Junho de 2008 no seu Processo n.o
14/2008 (a propósito de uma declara..o de teor idêntico à dos presentes
autos), cuja fundamenta..o, salvo o devido respeito, n.o procede,
designadamente por seguintes raz.es, para além das já acima expostas:

– em primeiro lugar, se o tipo de declara..o em causa é uma declara..o
de quita..o com acompanhado reconhecimento negativo de dívida ainda n.o
existente, porque é que a Ré teve que afirmar no texto da mesma declara..o
que aceitava o aí declarado?

– e em segundo lugar, ao declarar-se que “nenhum outro direito decorrente
da rela..o de trabalho com a STDM subsiste”, é porque, no entender das partes,
chega a existir, até a esse momento, o direito a compensa..o de “descansos
semanais, anuais, feriados obrigatórios..., decorrentes do vínculo laboral com a
STDM”, embora n.o se saiba do quantum exacto dessa compensa..o;


– daí que, em terceiro lugar, n.o é por acaso que foi a STDM quem
come.ou a invocar a tese de “remiss.o da dívida” em contesta..es
apresentadas em processos congéneres (e também na contesta..o dos
presentes autos);

– e em quarto lugar, mesmo dentro da própria economia da douta tese do
Venerando Tribunal de última Instancia, sempre se diria que teria subsistido
o mesmo estado de sujei..o da parte trabalhadora declarante no momento da
assinatura da declara..o, porque já é facto notório, conhecido pelos
Tribunais de Macau no exercício das fun..es jurisdicionais em todos os
processos semelhantes ao dos presentes autos, que quem assinou este tipo de
declara..es foram aqueles “ex-trabalhadores da STDM” que passaram a
trabalhar, a partir dessa altura, nos casinos da Sociedade de Jogos de Macau,
S.A., criada e controlada pela mesma STDM;

– e, por fim, há que atender a que em acórd.os anteriores proferidos por
este Colectivo do TSI sobre a quest.o, nunca se afirmou que era aplicável o
art.o 60.o do Decreto-Lei n.o 40/95/M, de 14 de Agosto, mas sim que “norma
jurídica semelhante à do art.o 6.o do Decreto-Lei n.o 24/89/M, pode ser encontrada nas
seguintes disposi..es do art.o 60.o do Decreto-Lei n.o 40/95/M, de 14 de Agosto”.

Termos em que há que proceder o recurso sub judice, por procedente a
quest.o de invalidade, invocada na alega..o do recurso, da remiss.o da
dívida (n.o sendo, pois, mister, por logicamente precludido, conhecer em
concreto de todas as outras quest.es invocadas na peti..o do recurso, por a
solu..o acima dada quanto ao alcance e sentido da declara..o dos autos já
tutelar cabalmente a posi..o processual da Autora).


Caberá, pois, ao Tribunal a quo conhecer do pedido da Autora, mas
agora reduzido aos justos limites declarados no termo de desistência parcial
do pedido de fl. 1043.

4. Em sintonia com o acima exposto, acordam em conceder
provimento ao recurso da Autora, revogando, por conseguinte, a decis.o
recorrida de absolvi..o da Ré do pedido, e ordenando o conhecimento pelo
Tribunal a quo do pedido formulado na peti..o inicial, mas ora reduzido aos
justos limites declarados no termo de desistência parcial do pedido de fl.
1043, a n.o ser que haja outro motivo legal a obstar a isto.

Custas do presente recurso a cargo da Ré.

Macau, 26 de Junho de 2008.

____________________________

Chan Kuong Seng

(Relator)

____________________________

Lai Kin Hong

(Segundo Juiz-Adjunto)

____________________________

Jo.o Augusto Gon.alves Gil de Oliveira

(Primeiro Juiz-Adjunto)

 

(voto vencido pelas raz.es e termos constantes do Ac. 294/2007, de 19/7 deste
TSI e acórd.os do T.U.I., v.g. 14 e 17/2008, de 11/6)


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